GILBERTO GIL: '71 (DELUXE EDITION)

pitera


Recorro ao lirismo da "Consolação" de Vinícius de Moraes, para desconstruir e reconstruir uma parte de um período de auge da música brasileira. E se não tivesse o amor, a dor, o sofrer e o chorar? Este post nem existiria e não teríamos também um riquíssimo filão de peças esculpidas pelos latejos desse amor e da saudade. Ao lado de uma safra de lançamentos, como são os grandes "Caetano Veloso" de 1971 e "Transa" de 1972, que pareavam os compositores brasileiros à tantos outros mundo afora, disponibilizo esta obra datada de 1971 que leva o nome da persona carinhosa em questão. O homem que distribuiu abraços na partida e que não fez por menos na chegada. Falo do neguinho que gosta mesmo é de comer com coentro, nascido da barriga da baiana Claudina, falo é claro, de Gilberto Gil.

Em quase sete minutos de música, "aquele abraço", reverberava no álbum solto em 1969 (ano do exílio) -  canção que mais tarde traria mais efeitos do que de fato esperava-se do verbo e do ato. Quem sabia de Gilberto Gil naquele momento era seu violão, e é este seu fiel comparsa neste registro. Voz e violão constroem caminhos tingidos de vivas cores pelos quais as faixas trilham e brilham. Gil exila-se ainda do território da língua e cantarola todas as canções em um bem fluido inglês, demonstrando extroversão total e uma aparente intimidade com o ambiente escolhido para morar. Neste registro, ele adapta alguns títulos previamente lançados em português, como é o caso da tradução impagável - e, acreditem, melhorada - de "Volkswagen Blues". "Gilberto Gil" (1971) é do início ao fim uma peça que emana as qualidades acima citadas. A faixa "Nega", um blues-rock ritmado e contagiante, já as escancara nos primeiros instantes do álbum. Destaque tanto para os cantos, que por vezes desembocam em banzo enfurecido de arrepiar a alma, como acontece em "Can't Find My Way Home"; quanto para a lisergia, resultado das experiências psicotrópicas do momento, que despertara viagens das mais diversas, ora  volvendo aos moods estrelados e cósmicos do hippismo setentista, como em "The Three Mushrooms", ora indo de encontro com a excentricidade do rock, convidativa à ponto de fazer os seres mais taciturnos sentirem a "Eletricity in the brains" e a "Gasolina in the veins", como pede os versos da faixa "Crazy Pop Rock".

Enquanto Londres era o epicentro do abalo musical - com Beatles, Jimi Hendrix, e os Rolling Stones -, Gil e Caetano tragavam toda essa fumaça sonora que tanto inspiraria suas mentes. Tanto essa 'inspiração' quanto a espontâneidade de Gil enquanto exilado, refletiram diretamente em seu repertório, e o disco fecha com versões ao vivo de três fan-covers empreendidas por ele. A já citada "Can't Find My Way Home", a gravação mais representativa do período, é um épico vocal. Um Gil melífluo, relembra Jimi com "Up From the Skies", e quando já não bastasse levar um Jimi, presenteia e empolga com um trecho de "Baby" de Caetano Veloso. O gran finale fica por conta de uma inspirada e bem-humorada recriação de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band". Ao término do disco, a inexorabilidade presente na brasilidade de Gil, é algo que fica latejando na cabeça. Deplorável é a inversão dos tempos modernos, quando a cegueira causada por fama e fortuna atinge artistas, os fazendo tropeçar em questões primárias e essenciais, como são a percepção e a construção de sua individualidade.



Dê o play, macaco!
Download | Discogs

1. Gilberto Gil - Nega (Photograph Blues) (5:48)
2. Gilberto Gil - Can't Find My Way Home (5:17)
3. Gilberto Gil - The Three Mushrooms (5:38)
4. Gilberto Gil - Babylon (4:19)
5. Gilberto Gil - Volkswagen Blues (4:08)
6. Gilberto Gil - Mamma (3:45)
7. Gilberto Gil - One O'clock Last Morning, 20th April 1970 (4:39)
8. Gilberto Gil - Crazy Pop Rock (4:13)
9. Gilberto Gil - Can't Find My Way Home (Live)* (6:34)
10. Gilberto Gil - Up From The Skies (Live)* (5:11)
11. Gilberto Gil - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Live)* (9:35)

 
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