DON PABLO DE HAVANA

pitera

Um envolvente disco de música afro-cubana datado dos anos 1960, poderia, e deve passar despercebido por vezes pelos sebos e pela internet - duas das maiores fontes de quem garimpa música na atualidade. Identificado apenas com o substantivo próprio "Don Pablo de Havana", o disco não revela o seu artífice no primeiro olhar, já que não se sabe se tal substantivo refere-se ao título. Uma investigação mais apurada revela a origem brasileiríssima do disco. "Don Pablo de Havana" é uma bem-sucedida rota traçada por músicos brasileiros de ponta, em direção a ensolarada animosidade dos rítmos cubanos. O capitão da empreitada era Eduardo Lincoln Barbosa Sabóia - o organista, Ed Lincoln.

Considerado por unanimidade como o rei dos bailes e o fundador do Sambalanço e do Samba-Rock, Ed Lincoln, desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da música popular brasileira na década de 60, especificamente da Bossa-Nova. Nascido em uma família musical, aos 16 anos já tocava com um trio na Rádio Iracema em Fortaleza e aos 18, no Rio de Janeiro, começa a tocar na Rádio Roquete Pinto. Estudando arquitetura e participando da noite carioca, não tardou muito para que Lincoln se aproximasse da música e fosse cercado pelos pesos pesados do momento: Luiz Eça, Dick Farney, Johnny Alf, Milton Banana e companhia. Em 1955, na Boate Plaza, Copacabana, inicia sua carreira musical, ao contra-baixo, tocando em um trio chamado "Trio Plaza" que tinha em sua formação Luiz Eça no piano e Paulo Ney na guitarra. O registro desse momento histórico pode ser conferido no LP "Uma Noite No Plaza". A partir destas circunstâncias se dá o começo da carreira de um músico completo: Ed Lincoln ainda seria pianista, organista, arranjador e compositor.

"Conheci o Ed Lincoln quando ele tocava lá no Bar do Plaza. Começou como baixista do Johnny Alf. Eram ele, Alf e Paulinho Ney, na guitarra. Um trio incrível. Depois tinha também o Luizinho Eça. Ali era o verdadeiro berço da bossa nova. O Ed Lincoln é um dos precursores. Era ali que a gente ia aprender com aqueles craques todos. Foi um grande aprendizado para mim, Tom, João Gilberto, João Donato e tantos outros. Depois, o Lincoln virou "baileiro", rodando o Brasil todo com seu conjunto." ~Carlos Lyra, compositor, violonista e cantor

Porém, foi à bordo de seu orgão Hammond, que Ed Lincoln, entraria para a história da bossa e do sambalanço, explorando novas possibilidades do instrumento ao entrelaçar na dose certa, e de maneira única, o suíngue do instrumento com o suíngue de sua voz. Com essa combinação devia ser mesmo impossível ficar inerte nos históricos bailes do Rio de Janeiro da década de sessenta. Conta-se que até mesmo os apartamentos cariocas se transformavam em espaços propícios para o ritual do balanço, quando alguns menos sortudos não conseguiam garantir sua entrada nos bailes.

"Don Pablo de Havana" veio ao mundo num momento em que Ed Lincoln excursionava por territórios musicais mais propícios ao exercício da dança e não mais apenas aqueles propiciados pela brisa da bossa. Torna-se compreensível o embalo na onda do cha-cha-cha, fonte de inspiração para a combinação entre música e dança. Segundo o depoimento de José Ignacio Neto no website de música brasileira Orfãos do Loronix (uma das poucas fontes detentoras de informação sobre o disco), Ed Lincoln adorava gravar sob uma variedade de pseudônimos, cada um para um estilo ou disco diferente. Neto, também pontua que diante do lapso de informações torna-se possível apenas adivinhar o provável casting de músicos: Ed no piano e talvez no baixo, Rubens Bassini poderia ser o responsável pelos bongos e, possivelmente, comandando o sax e as flautas, Juarez. "Don Pablo de Havana" é impecável em suas composições e arranjos e com maestria devia deslocar os ouvintes brasileiros momentaneamente para os grandes salões cubanos onde se tocava e dançava com entusiasmo o mambo, a salsa, e o cha-cha-cha. O disco, ainda conta com grandes versões de "Na Baixa do Sapateiro" e "Aquarela do Brasil" de Ary Barroso em roupagem afro-cubana. Toda a obra de Ed Lincoln permanece sendo imprescindível, tanto para aqueles que querem compreender a MPB dos anos 50 e 60 quanto para aqueles que querem apenas balançar. Afinal, alguns estados de espírito são mesmo atemporais.

"Ele foi um baluarte no que diz respeito a tocar música para o outro. O baile dele era baile mesmo. Eu trabalhei dois anos com o maestro Severino Araújo, que dizia que o arranjo de gafieira devia ser escrito para o pé do bailarino. O Ed Lincoln sacava muito bem dessas coisas. Não só nos bailes ao vivo, mas nas gravações. Muita gente se reunia para fazer bailinhos, escutando vinil. O repertório sempre tinha Ed Lincoln, não podia faltar." ~Laércio de Freitas, pianista e compositor



Dê o play, macaco!
"[1960] Don Pablo de Havana"

1. Don Pablo de Havana - Alguém Me Disse (Jair Amorim / Evaldo Gouveia)
2. Don Pablo de Havana - El Choclo (A. Villoldo / M. Catan)
3. Don Pablo de Havana - Andalucia (The Breeze And I) (Ernesto Lecuona)
4. Don Pablo de Havana - Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso)
5. Don Pablo de Havana - Together Wherever We Go (J. Styne / S. Sondheim)
6. Don Pablo de Havana - Adios (Enric Madriguera)
7. Don Pablo de Havana - Mustapha (B. Azzam / Barclay)
8. Don Pablo de Havana - Aquarela do Brasil (Ary Barroso)
9. Don Pablo de Havana - La Cumparsita (M. Rodriguez / P. Contursi / E. Maroni)
10. Don Pablo de Havana - Climb Ev’ry Mountin (R. Rodgers / O. Hammerstein II)
11. Don Pablo de Havana - Quero Beijar-te as Mãos (Arcênio de Carvalho / Lourival Faissal)
12. Don Pablo de Havana - Delicado (Waldir Azevedo)


 
RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES POR EMAIL!

Inscreva seu email para receber nossas atualizações. Garantimos bom conteúdo e nenhum spam!

QUERO FAZER PARTE DO TIME!
Você escreve e quer publicar aqui suas resenhas sobre música? Faça parte do nosso time de colaboradores! Clique aqui para entrar em contato.
ENCONTROU ALGUM LINK QUEBRADO?
Clique aqui para nos informar sobre links quebrados ou qualquer erro ocorrido. Agradecemos e tentaremos corrigí-los o quanto antes.