MALEEM MAHMOUD GHANIA: TRANCE OF SEVEN COLORS

pitera

Que afinidade teria o jazz com a música árabe? Existem respostas para perguntas como estas, que revelam não apenas uma ou outra obra preciosa, mas uma completa mina de ouro, resultante de um movimento musical radical em suas concepções e que até hoje influencia o modo de fazer e pensar a música. Uma destas obras, que disponibilizamos hoje, é o album "Trance of Seven Colors". Gravado pelo saxofonista tenor Pharoah Sanders em 1994. O experimento é o resultado de uma viagem feita por ele ao Marrocos. Sanders estava decidido a encontrar Maleem Mahmoud Ghania e com este, explorar de cabo a rabo as similaridades do jazz com a música Ghania do Marrocos.

NÃO SOMOS MÚSICOS DE JAZZ

Pharoah é um saxofonista de significativa importância na história do Jazz. Não apenas por ter participado de grupos históricos como o de Sun Ra e de John Coltrane, mas também por ser um dos principais personagens envolvidos na elaboração do Free Jazz, um gênero de renovação do jazz surgido nos fins da década de 50. Para compreender o espírito vanguardista dos músicos do "Free Jazz" ou "New Thing", os historiadores de jazz frequentemente relacionam a origem deste gênero com o espírito libertário que permeava os movimentos sociais que lutavam frente à instabilidade instaurada no contexto político e social dos Estados Unidos da América, tempos em que "libertar-se", parecia ser a palavra de ordem. Neste sentido o free jazz seria não apenas a rejeição de certas crenças musicais, mas esta escolha por um estilo mais livre de tocar, seria antes de tudo uma reação dos negros americanos frente à sua condição política e social. A recusa aos moldes do passado é tamanha que os próprios músicos, insatisfeitos com a linguagem e seus significados, preferem outra denominação, como Sanders que opta pelo termo "Spiritual". Sobre isto, Phil Cohran, que também fora músico da Arkestra de Sun Ra, disparou certa vez em uma entrevista:

"Em primeiro lugar, eles precisam mudar o nome, porque foi inspirado pelo bairro de prostituição de Nova Orleans. E os escritores e jornalistas que passavam por lá em busca de prostituição, notaram a música e, é claro, a forma peculiar de tocar piano. Voltavam para suas casas e escreviam sobre esta música, identificando-a como a música das “casas de jazz”. Era assim que eles chamavam as casas de prostituição. Então, o nome tem uma conotação negativa que o acompanha até os dias de hoje. Não somos “músicos de jazz”. Sou um músico sério, não toco para ganhar dinheiro ou algo que o valha. Eu toco porque minha música é a expressão da vontade de meus ancestrais.

A BUSCA POR SENTIDO

O "New Thing", "Free Jazz" ou "Spiritual" torna-se então uma busca dos músicos por novos sentidos através da música, como a busca pela ancestralidade do negro americano e também por um idioma universal, congregador, capaz de estabelecer um diálogo livre de amarras, linguagens e estruturas rigorosas. Para tanto eles rejeitam a estética do bebop e do jazz modal e entusiasmam-se cada vez mais com o retorno à formas que dão origens ao jazz como o Dixieland, e também com a música Africana. Este interesse resulta na incoroporação de uma variedade de instrumentos e na busca por manifestações culturais de variadas etnias. Mesmo tendo sido elaborado em 1994, The Trance of Seven Colors está enraizado nesta cosmovisão surgida nos anos sessenta.

THE TRANCE OF SEVEN COLORS

The Trance of Seven Colors é um disco que requer de seu ouvinte uma percepção plena, caso contrário é muito fácil acha-lo um album de difícil audição e então desiste-se de explorá-lo. Consequentemente, perde-se a oportunidade de apreciar a experiência de um diálogo universal vigoroso. Neste sentido é importante destacar que o que se ouve aqui vai além de uma simples reunião de músicos em um estúdio com a intenção de fazer música para o entretenimento. A atividade musical empreendida no album deve ser compreendida principalmente em seu aspecto ritualístico.

O ritual faz parte da tradição do povo Gnawa , um dos grupos étnicos que habita o Marrocos e, contém elementos ancentrais do oeste da África e do Sufismo. Quem conduz o ritual musical de transe com o propósito de cura e purificação espiritual é um Maleem, que significa mestre. Pharoah é quem ouvimos primeiro no disco, através de alguns rápidos fraseados. Ele logo cede espaço para o mestre, que empunhado de um guimbri (um tipo rústico de baixo cujo corpo é uma cabaça revestida de couro de camelo e as cordas são de tripa de bode) dá início à cerimônia. O disco prossegue com uma enérgica sequência de músicas em que o mestre conduz toda a cerimônia com seu guimbri, os homens tocam os instrumentos de percussão como o krkabak (algo próximo a uma castanhola metálica), intercalados por palmas, e as mulheres participam do coro. Há ainda alguns aconchegos de paz, como a música "Peace in Essaouira" em que tanto Pharoah quanto Maleem com notas sutis, criam um clima propício para a imersão na imensidão de uma noite estrelada à beira do oceano de nosso espírito. É possível que o radicalismo vanguardista do "New Thing" esteja hoje abrandado mas não esquecido. The trance of seven colors é uma das provas notáveis, que inevitavelmente nos dá ímpeto para olhar com mais cuidado para o berço do mundo, a mãe África, e sua vasta diversidade cultural, que deve mesmo ser louvada, respeitada e preservada.

"Cada música ou peça é chamada pelos Gnawas de mluk, termo que carrega o significado do espírito (masculino ou feminino) e seus correspondentes comportamento (ou temperamento), ritmo, melodia, cor e incenso. O Maleem circula pelas sete cores do transe, tocando as mluks em uma só cor até passar para a próxima. Ele só pode prosseguir à próxima quando encontra a mluk dentro daquela cor que induz o transe do adepto* principal. Esse processo, passando pelas sete cores, dura aproximadamente oito horas, com a Lilla começando por volta das onze da noite às oito da manhã seguinte."~Texto informativo do encarte



Dê o play, macaco!
"[1994] The Trance of Seven Colors"

1. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - La Allah Dayim Moulenah
2. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Bala Moussaka
3. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Hamdouchi
4. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Peace in Essaouira
5. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Boulandi Samawi
6. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Moussa Berkiyo / Koubaliy Beriah La'Foh
7. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Salat Anbi
8. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Casa Casa Atougra
9. Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharaoh Sanders - Mahraba

referências Jazz Times e BURÍ

 
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