PROJETO ALFA: VOL.1

Unknown


Quando decidi conhecer a casa que o Guilherme Held dividia com outros músicos, entre eles, o Lanny Gordin, tinha passado a tarde toda bebendo na ZN, onde fui visitar outros amigos. A noite, quando cheguei lá, o Gui tava saindo pra tocar e o Dodo me chamou pra tomar mais umas geladas nas imediações, antes dele ir trampar numa balada. Fiquei zoado e sem condições de sair pro rolê a noite, então pedi pra ficar na casa. Eu estava em São Paulo passeando e recebi a chave na hora.

Entrando na casa tinha um pequeno corredor com um quarto a esquerda. Depois uma sala com uma grande janela que dava pra um micro quintal com um banheiro de serviço e lavanderia. Na tal sala, não se via os rodapés, encobertos por vinis encostados em todas as paredes. Havia duas poltronas uma de frente pra outra. Me sentei na que ficava de frente para a escada que levava ao segundo andar.

Ao usar o banheiro de serviço, conheci o Sérgio Serra à época guitarrista do Ultraje a Rigor, que tinha voltado e quis saber quem tava usando aquele banheiro em desuso pelos moradores. Me apresentei do vaso mesmo e após uma discussão bizarra, ele saiu levando o que tinha ido buscar e voltei a poltrona inicial, quando vejo de soslaio uma cabeça surgir entre vão da escada, o teto do primeiro andar e o piso do segundo.

Logo saquei que era o Lanny, mas deixei rolar. A cabeça surgiu novamente entre os vãos, inquerindo que eu era. Depois mais uma vez, inquerindo outra coisa e isso se repetiu por algumas vezes até que ele tomasse coragem pra descer as escadas e vir se sentar na poltrona à minha frente, acender um cigarro e me fazer a pergunta decisiva: Posso te contar minha história? Antes de eu me tocar, ele já estava contando ter nascido na China.

Entre cigarros, eu ouvia com atenção. A história não teve nenhum momento estapafúrdio. Houveram esquecimentos, imprecisões, mas nada em seu relato soava muito louco ou viajandão, algo que se espere de alguém “pirado”. Inteligente como poucos, Lanny parecia ser tudo, menos doido. Havia sinceridade por parte dele e profundo respeito da minha. As vezes, ele dava longos intervalos e eu não interferia. As vezes, eu perguntava e ele respondia, às vezes não. A maior parte das coisas ditas por ele, eu tinha lido, outras, eu tinha ouvido dos amigos que tinham seu convívio. Uma ou duas, quero acreditar que ele me confidenciou.

Eu já me sentia um privilegiado, quando ele puxa um ampli mais pra perto, pega uma guitarra e me pergunta: Posso tocar um pouquinho? Novamente, antes de cair a ficha, ele já havia plugado a guitarra no ampli, dedilhando alguma coisa e me falando sobre harmonias, acordes e coisas que nem conheço por ser músico frustrado.

Entre cigarros, eu ouvia com atenção. Nunca saberei precisar quanto tempo se passou, nem quantas músicas, temas ou exercícios, ele fez naquela noite até a fome bater e eu ser intimado a ir no Habib´s da esquina providenciar umas esfirras, o que fiz, sem pestanejar, com maior orgulho e disposição. Ao voltar, o Gui já tinha chegado, trocamos algumas ideias, então nos concentramos em comer e logo cada um foi para seu canto dormir.

Anos se passaram e em 2011, eu e o Zé Aurélio, fizemos uma festa-show de aniversário para esses gênios. Sim, esses dois heróis da guitarra, por “coincidências” da vida, tem a mesma data de nascimento. Nessa ocasião, a Tatanka Films captou material para documentar essa passagem e produziu um teaser, que está disponível a seguir. São rápidos depoimentos sobre o Lanny, feitos pelos artistas que participaram do rolê. Vale a pena ver.

Gostas do delírio, baby!? Então se lança nesse disco que, é pura fritação. O álbum de 2002 que foi produzido por Luiz Calanca e lançado pela Barato e Afins, traz temas livres, peças jazzísticas, sambas e outros ritmos, com a marca da inconfundível guitarra psicodélica de Lanny, “um músico espetacular”, como definiu Rogério Duprat. Junto com Lanny no Projeto Alfa estão alguns dos melhores instrumentistas do país: Fábio Sá, no baixo, Guilherme Held, na guitarra, e Zé Aurélio, na timbatera, além de Márcio Negri, no sax, e Bocatto, no trombone. Músicos que, naturalmente, desafiaram a lenda.


Dê o play, macaco!
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01 groselha (7:30)
02 algodão doce (5:18)
03 o vento (8:02)
04 amnésia (8:45)
05 tomati (0:32)
06 conversa mole (3:48)
07 murissoca (8:03)
08 água corrente (10:04)
09 navio negreiro (11:42)
10 caiu bonito! (0:45)
11 roberto horácio, o filho predileto de dona bonifácia (3:22)
12 quero mais (1:30)

60 anos de Lanny Gordin, 45 de carreira! 10 anos de Projeto Alfa


Antonio Carlos Nicolau, 44, com formação em TI, é produtor cultural. Suas primeiras impressões musicais estão entre 1980 e 84 por meio de especiais de TV para crianças (A arca de Noé I e II, Pirlimpimpim, Pluct Plact Zuum). Em 1985, assistiu, também pela TV, o Rock in Rio e logo teve o primeiro LP do Iron Maiden em suas mãos. Desde então vem de sentidos abertos a quase tudo e todos.

 
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